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A participação de crianças e jovens na formação de comunidades virtuais, principalmente por meio da Orkut, tem gerado ruídos e impasses no ambiente escolar.

Muitas vezes, o objetivo dessas comunidades é zoar com alguém. Geralmente, a pessoa zoada é alguém da escola – colega, professor – ou mesmo a própria instituição escolar. Títulos como Nós odiamos fulano, ou Vamos dar porrada em cicrano ou Quem acha a escola X uma droga? são comumente encontrados nessa mídia aberta para a livre manifestação. Com tantas incitações, os xingamentos e difamações se multiplicam nos comentários dos freqüentadores de tais comunidades aos olhos de quem quiser ver.

Bullyng digital é a expressão empregada para caracterizar esse fenômeno. Trata-se de uma espécie de apedrejamento virtual. Como enfrentá-lo? Quais seriam os papéis da família, da escola, ou mesmo das autoridades judiciais com relação a esse comportamento que se difunde entre crianças e jovens? Diante da novidade, as respostas até agora produzidas têm girado em torno da interdição do uso do computador, feita pelas famílias como sanção pela conduta recriminável, ou, por parte das escolas, uma pregação moral tentando coibir as iniciativas desse tipo. Isso é tudo. E nada!

É verdade que não há uma novidade absoluta na prática desse tipo de violência. Discriminar, colocar alguém na berlinda ou fofocar na turma sobre o comportamento de um indivíduo são situações que, embora condenáveis, qualquer geração já experimentou.

Mas, então, qual é a diferença do que é feito pela internet?

Talvez uma distinção seja o alcance público imensurável dessa tecnologia de comunicação, enquanto que o espaço de difusão da fofoca ou da discriminação grupal esgota-se no próprio grupo ou, quando muito, transborda para um contexto um pouco mais ampliado ao qual o grupo pertence. Além disso, num ambiente restrito, quase sempre a vítima pode defender-se, se não por si mesma, com a ajuda de terceiros e autoridades.

Na internet, é comum o fato de a instituição ou pessoa alvo dessas violências ter conhecimento da existência de uma comunidade que a discrimina e a ameaça moralmente depois de ela ter sido freqüentada por um bom número de pessoas. Ou seja, a extensão das conseqüências é muitas vezes impossível de dimensionar e a neutralização dos efeitos ainda menos provável. Qualquer um de nós pode ser atingido por uma ação como essa – o que nos põe em situação de alerta permanente, estado próximo da paranóia.

Isso é bom para a vida social? Ou desencadeia uma patologia desagregadora?

Não é o caso de cometer o erro lógico de condenar a tecnologia pelo uso que dela é feito, mas nesse espaço digital não há regramento preestabelecido, não há códigos de postura definidos, ou seja, trata-se de território livre. E esse é o barato! Ali entra quem quiser, sai quando bem entender, deixa o recado que lhe parecer mais irreverente que os comentários anteriores, quase sempre ofensivos, e isso aparentemente não implica conseqüências para os detratores. Será?

Se para os freqüentadores as implicações não são facilmente visíveis, para aqueles que são alvo dessa hostilidade os constrangimentos e prejuízos morais são inexoráveis.

É possível que no campo privado das famílias o tratamento venha a ter versões cada vez mais criativas para o fenômeno ou, então, venha, num outro extremo, a ser tratado com descaso. O fato é que, como se trata de um problema social, não é possível confiar somente nas respostas que as famílias lhe dêem. A escola tem sim que se apropriar do tema e elaborá-lo com os alunos nas dimensões mais profundas que ele traz.

A análise da ação dos meios de comunicação na construção e destruição da imagem pública de pessoas e/ou instituições; as motivações que já alimentaram esse tipo de jogo midiático; as conseqüências produzidas por tais campanhas; o significado que isso tem numa sociedade que hipervaloriza a imagem, a aparência, o espetáculo; as alternativas solidárias, construtivas e agregadoras das diferenças que existem na formação de comunidades virtuais de intercâmbio de conhecimento, de atuação frente a problemas específicos comuns ao planeta – seriam esses alguns dos temas em torno dos quais se poderia praticar a investigação com os alunos, ao invés de submetê-los a discursos estéreis de condenação moral do bullyng digital.

Trata-se, portanto, de recorrer a áreas de conhecimento distintas para abordar o fenômeno por óticas diversas e tentar, coletivamente, construir uma melhor intelecção sobre ele. Esse tipo de tratamento evidencia a necessidade da formação ética dos indivíduos para que tenham elementos que subsidiem suas ações, possibilitem escolhas refletidas e a responsabilização por elas.

A lei, bem, a lei... Os legisladores não deixarão de inventar recursos que visem à inibição desse tipo de prática, tão pouco de regulamentar penalizações para os autores. Entretanto, valeria a pena nos esforçar por produzir reflexões que, de alguma maneira, possam tornar corrente a complexidade que envolve o fenômeno para que eles também, os legisladores, se vejam obrigados a abordá-lo de forma ampla

Silvio Barini Pinto