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Um dos filmes mais comentados dos últimos tempos, Entre os muros da escola, de Laurent Cantet, vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2008, é de fato obrigatório. Mais ainda para educadores, pais e alunos de uma escola com o perfil do São Domingos.

Entre os muros retrata basicamente o cotidiano de uma escola do subúrbio de Paris que recebe um grupo de alunos bastante heterogêneo: africanos, árabes, asiáticos, além dos europeus. Todos, porém, têm em comum a disposição para questionar as normas disciplinares, reagindo às muitas tentativas do professor de língua francesa para organizar a sala de aula, de modo que consiga trabalhar os conteúdos a que se propõe. Ou seja, apesar das particularidades culturais, o tema é contemporâneo, universal, tem circulado na mídia, gerado polêmicas de diversas ordens.

E mesmo sendo apontado por alguns críticos como uma variação de temática pra lá de batida (“filme de professor”), há consenso sobre algo novo retratado na trama: não há heróis nem vilões. Não há a figura de um diretor autoritário contra o qual luta o professor engajado e empático com os alunos, buscando defendê-los de uma repressão excessiva que os estaria impedindo de construírem saberes de forma criativa e não apenas reproduzindo conhecimentos consolidados historicamente.

Ainda que busque uma interlocução com os adolescentes, o professor do filme é falível, comete erros, tem dúvidas sobre como agir, oscila entre repressão excessiva e condescendência; entre transmitir saberes legitimados por povos ainda considerados superiores, de acordo com métodos tradicionais, e abrir campo para o novo, permitindo-se conduzir sua aula de maneira mais afinada com o ritmo e as inquietações dos alunos. E há mais um estereótipo “borrado”: mesmo mostrando-se diferente de seus colegas, procurando ensinar de uma forma mais envolvente e significativa, abrindo espaço para questionamentos, o professor não ganha o reconhecimento e nem a simpatia dos alunos, e não raras vezes é hostilizado sem piedade.
Mais documentário do que ficção, temos aqui um retrato bem fiel da realidade vivida nas escolas, de como têm se dado as relações, ou tensões, entre professores, alunos, direção, pais. Por que então seria este filme ainda mais obrigatório para educadores, familiares e alunos do São Domingos?

Identifico, ao menos, duas razões: primeira, também na escola retratada em Entre os muros há um Conselho, do qual participam representantes de toda a comunidade. Seria uma tendência contemporânea essa de compartilhar os problemas e soluções entre todos os envolvidos com a educação de crianças e jovens? Se sim, penso que estamos trilhando um caminho interessante, aperfeiçoando cada vez mais instrumentos de participação, como pude vivenciar como representante de pais e membro do Conselho de Escola (em final de mandato).

Não há dúvidas de que muito ainda precisa ser repactuado, para termos clareza do papel e das atribuições de cada um e de que modo cada segmento pode contribuir de acordo com seu ponto-de-vista. Mas me parece que, assim como no filme, a tendência é avançarmos, desconstruindo alguns estereótipos.

Não há heróis, não há vilões. Somos pessoas reais, falíveis, buscando uma forma saudável de conviver, de lidar com as tensões próprias de qualquer instituição, dispostos a ouvir antes de pré-julgar e tendo clareza dos limites e formas de atuação, que devem ser condizentes com as funções assumidas na estrutura escolar. Estamos todos implicados nesse processo, e precisamos de maturidade para lidar com os conflitos próprios da contemporaneidade.

Uma segunda razão que, penso, torna este filme obrigatório para a comunidade do São Domingos: fica evidente o quanto estamos adiante em termos de expor nos muros da escola a expressão das crianças e dos adolescentes, algo que havia perdido lugar e foi reclamado pelos familiares. O ECO, mais recentemente, e as Mostras Culturais dos anos anteriores são exemplos que não deixam dúvidas: compartilhar as produções dos diferentes alunos, os referenciais de mundo, as histórias, a culinária, a música, abrir espaço também para a manifestação e contribuição dos familiares é um caminho rico e profícuo. Na escola do filme, ele é pouco explorado, pois o que prevalece é uma preocupação exacerbada com a disciplina, algo que é inclusive apontado pela personagem mãe, que adverte: “vocês não valorizam nossos filhos, só querem discipliná-los”.

Mesmo não pretendendo fechar a trama com alguma redenção, apresentando soluções para os impasses que assistimos na tela, Entre os muros termina com a esperança de alguma possibilidade de convivência, de troca afetiva, de diálogo, apesar das hierarquias sociais, econômicas, culturais, algo em que, acredito, também aqui precisamos investir cada vez mais: no final, alunos, professores e diretor da escola divertem-se no pátio, jogando futebol. O brincar livre e precário mostra-se promotor de integração, capaz de aplacar feridas e contribuir para a sustentação de conflitos.

Claudia Perrotta